Nosso Adversário Nos Acompanha
Considerem o conteúdo dos seus devaneios. Em qualquer momento que você deixa sua mente desocupada, onde ela escolhe passear? Indo para casa após esse encontro, minha mente irá se deter sobre os problemas de outra pessoa?
Uma vez participei de um encontro onde muitas das pessoas estavam envolvidas nesse trabalho há décadas. A maioria delas tinha por volta de 60, 70 e 80 anos. O anfitrião perguntou se alguém tinha feito recentemente uma observação relevante que queriam compartilhar. A pergunta não era trivial; a familiaridade adormece o espírito de descoberta, que é tão crucial para motivar os esforços diários. Quanto mais alguém permanece envolvido nesse trabalho, mais desafiador se torna manter as ideias frescas.
Uma das pessoas mais velhas se levantou.
“Olhe para nós”, ela disse, inspecionando aqueles ao redor dela. “Muitos de nós já passamos três ou quatro décadas nesse trabalho. Três ou quatro décadas! Você pensaria que isso seria tempo suficiente para erradicar nossas Falsas Personalidades tanto que todos aqui reunidos seriam livres de falsidade. Mas podemos dizer que conquistamos permanentemente o fingimento, crescido além da tentação de justificar nossas ações, obliterado a necessidade de receber créditos ou eliminado nossa preocupação sobre como aparecemos sob os olhos de nossos colegas? Não podemos. Isso tudo persiste mesmo após décadas de trabalho interior. E por que é assim?”
“Aqui está o que percebi ultimamente. As décadas nesse trabalho não corrói a tendência das nossas mentes de entrar em devaneio. Toda vez que a mente é deixada desocupada, ela cai em associações mentais. É como uma criança que, deixada pela sua mãe por um minuto enquanto paga a conta do mercado, não consegue esperar quieta. A criança mexe e remexe ou olha ao redor para algo que a distraia ou entretenha. Nossas mentes são o mesmo e sua tendência a entrar em devaneios não diminui conforme os anos. Nossa habilidade de restringir os devaneios aumenta, mas no instante que deixamos nossas mentes sós, elas retornam para a única coisa que sabem: devaneios.”
“Agora considerem o conteúdo dos seus devaneios. Em qualquer momento que você deixa sua mente desocupada, onde ela escolhe passear? Indo para casa após esse encontro, minha mente irá se deter sobre os problemas de outra pessoa? Eu irei me preocupar se Jim chegará em casa seguro?” – ela apontou para uma pessoa perto dela, “ou se Mariana se lembrou de ligar para sua irmã e a desejou um feliz aniversário? – ela apontou para a moça sentada ao seu lado, “ou se Harry irriga sua grama de forma a não deixar secar durante o verão? Quase nunca (e quando sim, é porque eu desejo que eles se comportem como eu acredito que eles deveriam). A verdade é que eu devaneio sobre mim mesma. Quando eu sair desse encontro, minha mente irá querer repassar esse mesmo discurso que estou fazendo agora. Eu formulei meus pensamentos da maneira correta? Eu expressei o que queria dizer como eu pretendia? Vocês ficaram impressionados?”
“O conteúdo dos meus devaneios é sempre eu.”
“Ao estrelar como personagem principal dos meus devaneios, minha Falsa Personalidade se reconstrói apesar de décadas tirando lascas dela. Não importa quão frequente ou quão profundamente eu verifico sua artificialidade, não importa quão violentamente os choques externos a estraçalhem, mesmo assim minha Falsa Personalidades se reconstitui a todo instante que eu a deixo desacompanhada – a cada momento, tijolo por tijolo. E contanto que essa dinâmica permaneça, eu posso trabalhar mais quatro décadas e meu adversário irá me acompanhar.”
“Isso foi o que verifiquei recentemente.”