Nossa Jornada e Nosso Tempo

Neste trabalho, percorremos uma maratona para nós mesmos contra nós mesmos. Conforme persistimos, o trabalho penetra em nós mais e mais profundamente até que se une ao nosso destino. Quando isso acontece, ele carrega uma lição misteriosa e feita sob medida exclusivamente para nós…
As pessoas mais velhas que encontram esse trabalho geralmente se perguntam se vale a pena começar. A jornada parece tão longa e há tanto a aprender. Elas temem que seus hábitos estejam enraizados e duvidam se têm tempo e força suficientes para alterá-los. Quando uma pessoa nos estágios finais de sua vida pede minha opinião, eu sempre lembro da história de Donald Price.

Don foi um membro do grupo que eu entrei quando inicialmente me envolvi nesse trabalho. O grupo era pequeno, mas saudavelmente diverso, com membros de todas as idades. Don era o mais velho, o membro ativo mais antigo e também era estrangeiro, então nós o tomamos como nosso superior. Sua voz alta e risada grosseira agravavam essa impressão. O alto volume e a maneira abrasiva de Don eram tão habituais que, sempre que nos reuníamos – em um restaurante, numa festa no jardim ou numa viagem de campo – nós sabíamos imediatamente se Don estava lá ou não. Sua voz era a primeira a nos cumprimentar. Porque ele era estrangeiro e mais velho e no trabalho por mais tempo que o resto de nós, ninguém desafiava Don. Nós pensávamos que ou havia uma razão por detrás de suas manifestações que não compreendíamos, ou que seus hábitos estavam tão enraizados que eram efetivamente irreparáveis.

Um dia, um antigo praticante de outro país nos visitou. Ele foi logo exposto a fala alta e risada de Don Price e ficou surpreso ao descobrir que nós estávamos aceitando o comportamento de Don quietamente e por tanto tempo. “Mas vocês nunca apontaram isso para ele?” ele perguntou. Nós nos entreolhamos com vergonha e culpa. Nós vimos que esquivamos de nossas responsabilidades como estudantes. Nosso visitante não perdeu tempo em formular a seguinte tarefa: Don tinha que restringir sua conversa em nossos encontros a não mais que três sentenças. Se ele não conseguisse, então ele teria que parar de frequentá-los completamente.

Era costume que visitantes mais antigos dessem tarefas assim. Parte do objetivo por trás de suas visitas era observar e aconselhar os membros do grupo a como quebrar seus próprios hábitos ou padrões inúteis que desenvolveram no grupo – exatamente como aconteceu com Don e o resto de nós. Por causa do meu domínio no inglês (eu era o principal tradutor para o nosso visitante), eu fui escolhido para monitorar o progresso de Don na tarefa que lhe foi dada. Eu estava no início dos meus 20 anos; Don tinha mais que 60. Eu era novo no grupo; Don era o mais antigo. Eu era tímido e falava bem pouco; Don era vociferante e indiscreto. O cordeiro foi escolhido para monitorar o leão.

Ladder of Divine Ascent

A Escada da Ascensão Divina | séc. XII E.C. | Monges escalam ou caem do caminho

Nós descobrimos nossos limites ao ultrapassá-los. Eu ainda lembro vividamente de pegar o telefone, apreensivamente discar o número de Don e ouvir seu grave “Alô?” na outra linha. Eu recordo de ter que lembrá-lo quem eu era (ele praticamente não havia me notado até aquele momento) e então dizer a decisão do visitante de que eu seria responsável por monitorar seu progresso. Na pausa que se seguiu, eu me perguntava se agora eu iria levar o soco por todos nós, mas Don me surpreendeu. “Você está certo”, ele disse, num tom de voz inteiramente diferente do que eu o ouvia usar. “Já está na hora de aprender a controlar minha fala. Diga ao grupo que eu levarei essas palavras ao coração e respeitarei a tarefa dada – e que precisarei de ajuda.”

E assim, enquanto Don tinha sido convidado a aprender a falar conscientemente, eu fui convidado a aprender a não julgar o potencial de outros estudantes. Nunca pense que os outros não são capazes de receber críticas. Nunca se esquive de oferecer algo que pode ser útil para o trabalho interior do outro. Nunca pense que você sabe o que os outros são capazes ou não de conquistar.

A maior parte do nosso grupo permaneceu não convencida. Era difícil de acreditar que Don seria capaz de tomar as rédeas de si mesmo, não importava quão genuínas eram suas intenções. Mas Don nos provou errados. Após precisar ser lembrado algumas vezes, ele aprendeu a manter sua tarefa, a abaixar seu tom de voz e restringir sua fala a não mais que três sentenças em qualquer encontro.

Um ano se passou. Don e eu nos tornamos bons amigos. Eu era obrigado a falar com ele regularmente e descobri que ele era um gigante gentil. Não mais entravámos em nossas reuniões e éramos cumprimentamos pela voz alta e risada de Don. O leão foi domado.

No aniversário de sua domesticação, alguns membros do grupo se perguntaram se era tempo da tarefa de Don chegar a um fim, agora que ele a dominou. O costume ditava que apenas a pessoa que havia dado a tarefa poderia rescindi-la. Pediram para que eu ligasse para o visitante para perguntar sua opinião “Nós queremos ter o menor número de regras possível”, ele disse em concordância com o nosso entendimento, “então se Don não mais precisa de uma tribuna para restringir sua fala, nós podemos muito bem removê-la.”

Mas quando eu liguei para o Don para compartilhar a boa notícia, eu não era atendido. Tentei várias vezes sem sucesso. Ninguém mais no grupo conseguia contactá-lo. Dois dias depois, seu filho me ligou ao ver as chamadas perdidas no celular de Don. Aconteceu que, na noite anterior a minha ligação, Don morreu de um AVC.

A outra lição que aprendi com Don Price foi quão erroneamente enxergamos esse trabalho. De pé no ponto de partida e tentando antecipar sua trajetória, nós presumimos que será uma jornada do ponto A para o ponto B, como dominar uma linguagem ou aprender a tocar piano. Nós presumimos que se temos tempo suficiente e estamina, nós iremos alcançar esse objetivo – mas isso não faz sentido. A diferença entre estudantes é tão grande  e tão profunda que a idade com que começamos e nossa projeção de tempo de vida são irrelevantes. Não há pontos A e B genéricos, nem há um limite de tempo geral. Há somente a nossa jornada e o nosso tempo. Neste trabalho, percorremos uma maratona para nós mesmos contra nós mesmos. Conforme persistimos, o trabalho penetra em nós mais e mais profundamente até que se une ao nosso destino. Quando isso acontece, ele carrega uma lição misteriosa e feita sob medida exclusivamente para nós.

Domine essa lição e estará livre para ir, assim como Don Price.