Drogas podem ajudar neste Trabalho?

Um praticante certa vez compartilhou comigo sua experiência de usar Ayahuasca, um alucinógeno tradicionalmente usado por comunidades indígenas na América do Sul para propósitos espirituais e curativos…

Um praticante certa vez compartilhou comigo sua experiência de usar Ayahuasca, um alucinógeno tradicionalmente usado por comunidades indígenas na América do Sul para propósitos espirituais e curativos.

“Conforme a substância fez efeito”, ele contou, “vi a mim mesmo preso em um ciclo repetitivo de eventos. Eu podia perceber que tudo continuava acontecendo comigo de novo e de novo, e sempre da mesma maneira. E, de alguma forma, essa repetição em grande escala estava enraizada na unidade de tempo mais breve; cada respiração continha essa batalha de despertar – acordar ou dormir – uma batalha encenada desde o princípio do tempo.”

“Contudo,” continuou o praticante, “foi uma percepção terrível. Ela foi acompanhada por um temor subjacente de que eu não queria continuar preso nessa repetição. Uma voz interior continuava insistindo para mim que eu precisava escapar disso.”

As drogas temporariamente nos elevam acima da nossa subjetividade mundana. Elas parecem nos dar acesso imediato a percepções que, de outra forma, levaríamos meses ou anos para alcançar. Elas nos elevam a um estado no qual podemos ver através do tagarelar entorpecente da nossa função intelectual, através da ilusão do tempo gerada pela nossa função motora, e através das redes sociais complexas tecidas pela nossa função emocional. De repente, nós percebemos a nós mesmos tão objetiva e imparcialmente como se estivéssemos observando outra pessoa – para o bem e para o mal. Essa expectativa de tomar uma substância que gera percepções profundas é compreensivamente atrativa. Sem sua ajuda, poderíamos chegar às mesmas percepções apenas com grande esforço. O preço que precisamos pagar é enfraquecer o controle da Falsa Personalidade sobre nossa Essência, restringir as exigências do nosso Corpo Físico, e por fundamentalmente desenvolver um Mestre governante – tudo isso requer trabalho consistente e vagaroso. Drogas podem temporariamente nos conectar com essas percepções mesmo muito antes de termos desenvolvido um Mestre.

“Depois que a experiência se dissipou, senti que uma porta tinha sido aberta”, concluiu o praticante. “E mesmo assim, uma forte parte de mim queria bater essa porta, principalmente porque essa percepção de estar preso em recorrência não estava alinhada com minha imagem imaginária de mim mesmo.”

O fato de as drogas poderem desbloquear tais poderes de percepção prova que esses poderes estão latentes em nós, e não inexistentes. Enquanto a Personalidade e o nosso Corpo Físico continuarem dominando a Essência, e enquanto as nossas funções continuarem manifestando-se incontrolavelmente, a sua natureza não cultivada obscurece estas percepções potenciais. Isso explica um aspecto por trás da mecânica das drogas: elas entorpecem nossas funções, de modo que estas temporariamente oferecem menos obstáculos para essas percepções mais sutis. Por exemplo, se a nossa função intelectual está entorpecida de modo que não podemos mais entrar em devaneios, experimentamos uma rara clareza interior em comparação com o nosso estado normal. Se a nossa função instintiva estiver entorpecida, então os cinco sentidos – os órgãos de percepção do nosso Corpo Físico – já não determinam e restringem a experiência do nosso ambiente imediato. O álcool também se enquadra nesta categoria. Ele entorpece a Personalidade e permite que a Essência se manifeste mais livremente – embora de forma pouco confiável, já que muitas vezes o álcool só nos deixa cansados e incapazes de funcionar.

Uma outra forma através da qual as drogas induzem tais estados incomuns é introduzindo artificialmente no nosso organismo as substâncias que podem abastecer percepções superiores. Nós usamos o termo ‘introduzem artificialmente’ porque essas mesmas substâncias refinadas podem ser geradas através dos nossos esforços para transformar impressões ou transformar o sofrimento. Mas no caso de usar drogas, elas são introduzidas de fora sem qualquer esforço psicológico da nossa parte. Uma vez que a substância volátil é artificialmente introduzida, ela vagueia livremente em nosso organismo e é prontamente apropriada, não apenas por nossos órgãos de percepção mais refinados, mas também pelo resto de nossas funções. Isso explica as visões psicodélicas experienciadas durante o uso de drogas. Elas resultam das nossas funções intelectual e instintiva estarem sendo alimentadas por um octano muito mais sutil do que eles têm a capacidade de processar. Distinguir entre os aspectos fantástico e objetivo de uma ‘viagem’ se prova impossível. E mesmo que seja possível extrair um fio objetivo da malha entrelaçada de pensamentos, imagens, sentimentos e visões inspirados nas drogas, agir de acordo com essa percepção não é de forma alguma garantido.

Perguntei ao praticante se a poderosa percepção de ser pego em uma recorrência o ajudou de alguma forma: “Como resultado de testemunhar a si mesmo preso em recorrência, você foi capaz de parar de repetir alguns dos padrões que constituem a base dessa repetição?”

“Não”, ele respondeu decisivamente, como se ele próprio já tivesse considerado cuidadosamente essa questão. “A escala em que tudo me foi apresentado era tão grande que mudar qualquer coisa parecia irremediavelmente impossível. Portanto, embora esta tenha sido de longe a impressão mais profunda que tive de estar adormecido, de me comportar como uma máquina e de estar preso num ciclo de repetição mecânica, não fui capaz de aplicar esta experiência. Não consegui encontrar a vontade de parar de repetir o padrão que testemunhei.”

Se as drogas geram percepções sobre as quais não podemos agir, então a única opção que nos resta é tomá-las repetidas vezes, na esperança de que em uma das nossas viagens, por um golpe de sorte, possamos tropeçar num esforço exequível. É claro que isto rapidamente se traduz em dependência, o que é uma das razões pelas quais as drogas são desencorajadas neste ensinamento.

A outra razão reside nas consequências não intencionais de adquirir gratuitamente o que normalmente nos custaria um trabalho longo e diligente. As visões objetivas que recebemos ao consumir drogas são como empréstimos bancários. Somos responsabilizados por pagá-los, o que, no contexto deste trabalho, significa agir de acordo com eles. Se alguém contrair um empréstimo para reformar uma casa, mas desperdiçar o empréstimo sem efetivar a reforma, o banco irá responsabilizá-lo. Eles podem emprestar-lhes mais dinheiro, mas com juros muito mais elevados. Se tolamente tomarem empréstimo após empréstimo, logo irão à falência. E se continuarmos desejando realizações extraordinárias sem nos preocuparmos em por em prática o que elas estão tentando nos mostrar, cristalizamos em nós mesmos o desejo de adquirir algo por nada. Nunca desenvolvemos vontade. Nossa Essência vai à falência.