
Esta postagem foi escrita por Mario Fantoni
O Quarto Caminho como foi apresentado por G. I. Gurdjieff e P. D. Ouspensky exige a verificação, ou seja, ele é diferente dos outros três caminhos tradicionais porque nele não há lugar para a fé. Não devemos acreditar em nada que não possamos verificar, seja o conceito da reencarnação, as características da nossa mecanicidade ou estados superiores de consciência. Isso torna o Quarto Caminho muito prático porque não há nele espaço para especulação ou discussões filosóficas; todos nós temos o mesmo problema – estamos numa máquina que dorme – e temos mesmo objetivo: criar algo separado dessa máquina e assim escapar do sono.
Mas como é possível escapar do sono se estamos dormindo? De acordo com o Quarto Caminho, isso só é possível através de um sistema criado com esse objetivo e com a ajuda de alguém que conheça o caminho da saída, assim como numa prisão. Essa via de escape é composta de técnicas e ferramentas que foram testadas por milhares de anos e que são explicadas por alguém que tem experiência na sua aplicação. Uma das técnicas fundamentais do sistema que estamos estudando é analisar as características desse sono, ou seja, como ele opera e como ele se manifesta, como uma das maneiras de escapar dele. E como a nossa máquina é a origem do nosso sono, nos concentramos no estudo dela, da sua mecanicidade. P. D. Ouspensky disse que as pessoas estão muito interessadas no estudo de máquinas “externas” (carros, computadores, etc.) porém não se interessam no estudo da própria máquina. Isto é trágico, da mesma maneira que seria trágico dirigir um carro sem saber onde fica o freio.
Um dos pilares do sono nas nossas máquinas é o chamado traço principal. Este conceito explica que toda nossa mecanicidade gira em torno de um eixo, assim como numa roda. É como a base de um edifício, algo que sustenta e permite que o resto exista. Todos nós temos um traço principal, e ele varia dependendo do tipo da nossa máquina, da cultura onde fomos criados e vivemos, das experiências que tivemos na nossa família, nossa educação, etc. Existem nove traços principais, e todos nós temos um que é o mais ativo e um que é o secundário:
• Vaidade
• Medo
• Ingenuidade
• Teimosia
• Não-existência
• Poder
• Dominância
• Destrutividade
• Cobiça
Não é meu objetivo aqui analisar cada um dos traços; isso levaria muito tempo é diluiria o conceito em si mesmo. Teremos muitas oportunidades no futuro de fazer isso. Minha intenção é apresentar a ideia e notar como ela se relaciona com o objetivo que temos para o mês de janeiro: estabelecer metas para o ano que começa. Tenho verificado que se não estamos presentes ao estabelecer uma meta o nosso traço principal participará na definição dela. Assim, de certa maneira, a meta alimentará o traço principal, e isto anulará o objetivo dela. Por exemplo, se tenho um traço principal de medo e estabeleço a meta de viajar neste ano a um país distante para trabalhar com meu medo, meu traço principal poderá estar por trás dessa meta porque eu sentirei mais medo ao cumpri-la. Se tenho o traço principal de vaidade e minha meta é ocupar menos espaço em situações sociais, a minha vaidade poderá se alimentar em silêncio porque estou executando a minha meta muito eficientemente ficando calado.
Então qual é a solução? Como podemos ter certeza que o traço principal não estabelece a meta e se beneficia com ela? A resposta é a lembrança de si. O estabelecimento da meta deve partir de um momento de presença e de uma observação objetiva feita num momento mais elevado de consciência. E a execução da meta deve estar acompanhada de um esforço para estar presente, ou estaremos na situação da máquina mudando a ela mesma, o que é uma dimensão do sono. É como tentar levantar uma cadeira estando sentado nela.
Se estabelecermos nossas metas a partir da presença e as executarmos tentando estar presentes, o traço principal se tornará o nosso melhor aliado; cada vez que ele se manifestar – e ele se manifestará frequentemente — nós o usaremos para estar presentes. Assim, como em todas as áreas da nossa mecanicidade, não acordamos apesar do nosso traço principal, mas graças a ele.
“Se um homem tem uma grande fraqueza, de um ponto de vista é uma vantagem, porque se ele pode conquistar essa característica ou fraqueza, ele pode em uma ação conseguir muitas coisas”. (P. D. Ouspensky)
olá Mário. Muito bem colocado no texto o papel do traço principal. Vou começar a me observar melhor no estabelecimento de metas, e na sua execução, pois isto que você falou realmente acontece, do traço estar por trás das metas, já verifiquei em algumas situações comigo, e quando isto acontece tem-se a sensação de que não adiantou nada aquela meta, que foi em vão, mas é claro, é por causa do traço, agora faz sentido. grata.
Obrigado, Márcia. A chave é o que você falou — a auto-observação. Quanto mais nos observarmos mais luz penetrará no nosso mundo interior e, sendo que somos quem observa e não o que observamos, a nossa identidade irá gradualmente migrar da nossa máquina para nossos centros superiores. O antigo aforismo “Conhece-te a ti mesmo” reflete isso.
Dentro do aspecto do conhece a ti mesmo, nada mais simples do que ter como inicio desse processo a auto observação, tive o 1° contato com o 4° caminho a mais de 20 anos e de lá para cá em minha vida, esse cai no esquecimento e reaparece, a certeza de que nessas aproximações, no quarto escuro que me encontro devo ter chegado mais próximo dessa porta, o importante agora é me manter ligado a esse ideal, e esse canal ajuda a todos nisso, assim quero agradecer aos seus criadores e a todos que aqui estão, abraços.
O Romeu aprecia a analogia do girasol e o sol. Muitas ocasiões pensamos que estamos seguindo um caminho sem acompanhamento, mas como o fiel seguidor do sol, sabemos que por traz das nuvens do esquecimento o sol dá consciência brilha e mesmo em tempo nublado estamos no Caminho.
Boa analogia, Romeu. As nuvens são o sono, o sol são os centros superiores e o girassol são os “eus” de trabalho que sempre seguem os centros superiores, mesmo quando está nublado. Assim, o caminho é fortalecer o nosso girassol interno cuidando bem dele, pois ele é como uma bússola que aponta para a consciência.
Muitíssimo obrigado, Mario. Seu texto me proporcionou alguns insights valiosos. Fiquei curioso quanto aos 9 traços principais que listou. Estudo o Eneagrama das personalidades e, embora exista grande similaridade, comumente os “eneatipos” seguem nomes diferentes. Eu gostaria de aprender mais sobre isso. Agradeço se puder expandir esse tópico futuramente ou talvez sugerir leituras.
Obrigado a você, Daniel, pela participação. Existe uma correlação direta entre os traços principais e o que o Gurdjieff chamou de “tipos humanos”, e essa correlação é apresentada no eneagrama como você bem disse. O Asaf irá apresentar esse tópico no futuro, mas se você tiver interesse recomendo a leitura do livro “Tipos Humanos – Essência e Personalidade” de Susan Zannos. Se você quiser falar mais sobre este assunto me manda uma mensagem aqui no BePeriod ou um e-mail a [email protected]. Um abraço.
Olá Mario. Muito obrigado pela sugestão.
De nada, Daniel, obrigado a você pelo apoio e a valorização. Espero vê-lo nos workshops no futuro.
Mario, excelente a exposição. Entender o “ponto cego” (traço principal) é importante para não servirmos a ele pelas nossas metas e ficarmos rodando em círculos.
Acho que um ponto a se balizar é que se a nossa meta nos coloca num lugar ou situação inabitual e desconhecida tem a tendencia de enfraquecer o nosso traço principal. A meta deve ser vista como um próximo passo, nada grandioso demais. O ego e a inércia adoram coisas grandiosas demais.
É certo também que a “lembrança de si” ou capacidade de lembrar é extremamente importante, um instante de consciência e possibilidade, pois listas de metas e coisas necessárias que sabemos que devemos fazer não servem para nada se não temos a capacidade de lembrar-nos delas no momento em que podemos realizá-las no nosso dia a dia. Elas devem estar escritas no nosso mais intimo para poderem ser acessadas. Grande abraço e obrigado
Olá:
Tenho lido sobre o 4º caminho e sobre o Eneagrama e me interessei pelo livro indicado pelo Mario “Tipos Humanos – Essência e Personalidade” de Susan Zannos, mas tentei encontrá-lo para comprar e não consegui. Pesquisei em todas as livrarias virtuais, inclusive em língua espanhola e não encontrei. Deixei um pedido na estante virtual para quando chegasse, mas ainda nada. Alguém teria alguma dica para me dar de como encontrar esse livro?
Estou achando muito interessante os textos.
Obrigada pela oportunidade de aprendizagem.
Édina
Olá Édina. Realmente este livro está difícil de achar. Encontrei apenas a versão em inglês. Caso tenha interesse, por favor me envie uma mensagem particular, para que possa te passar o link da página.
Tenho como traços principais como teimosia e vaidade . Quando estou por exemplo adoentado esestraços amenizam mas continuam la dentro da máquina. Outras formas e angulos de como trabalhar com eles?
Oi Marcos, prazer em revê-lo. Os traços em essência se manifestam de uma maneira simples e natural; os traços na falsa personalidade se expressam de uma maneira complexa e artificial. A falsa personalidade requer uma grande quantidade de energia para continuar existindo (“o show deve continuar a todo custo”) por isso quando estamos cansados ou doentes, usando seu exemplo, há uma tendência de estar mais em essência. O objetivo é desenvolver uma verdadeira personalidade baseada nos “eus” de trabalho, o chamado “mordomo”, que vai permitir que a essência se manifeste e vai usar os traços para evocar a presença. Lembre-se que não evoluímos apesar da mecanicidade, mas graças a ela. É a “Santa Força Contrária”, usando as palavras de Gurdjieff.